28 de agosto de 2013

MANIA DE VOCÊ (1)

      
         Denomino mania de você (nada a ver com a música da Rita Lee) o emprego de você como sujeito de orações que, em princípio, não possuem sujeito.
  É o caso, para abrir os exemplos, de uma frase veiculada pela rede Globo, às 7 h do dia 30 de julho de 2005, em programa dedicado à imigração no Brasil.
        Disse a apresentadora:
 “Naquela época, no Japão, você tinha uma grande crise”. 
        Muitos não se dão conta da pobreza linguística que aí se encerra. Mas é de estarrecer, principalmente em se tratando de um programa educativo.
        Por quê
        Porque, quando escuto a palavra você, entendo, obviamente, que estão falando comigo; e eu nunca tive uma grande crise, nem morava no Japão nessa época. Aliás, nem tinha nascido.
Depurando a frase, já que a intenção era explicar que o Japão (e não eu) passava por uma grande crise, poderíamos dizer, de maneira clara e sem muito esforço mental:
 “Naquela época, no Japão, havia uma grande crise”.
   O emprego de você como pronome indefinido é  (admito) muito expressivo em determinados casos. O que não se pode admitir é o seu emprego indiscriminado, como nos exemplos abaixo.
  [1] “Quando você está grávida, você deve pensar, antes de tudo, no bem-estar do bebê.”
  Quando a mulher me disse essa “beleza” de frase, tive de responder que eu nunca cogitei de ficar grávido.
  Esta, então, dita por um médico a UMA repórter:
  [2] “Quando você tem a fimose, você não consegue fazer a higiene adequada”.
  É óbvio que ele sabia que mulher não tem fimose. É a mania.
  [3] “Você queria estar na praia, mas não dá, é preciso estudar.”
  Frase ridícula, proferida por uma estudante que se preparava para as provas de vestibular, pois quem queria estar na praia era ela e não eu.
  [4] “Fazem tantas perguntas que você não sabe responder.”
  Quem não sabe responder? A estudante, que acabava de passar por uma entrevista de emprego, ou o entrevistador?
  [5] “Quando você desonera uma empresa, você cria mais empregos.”
  Frase de um ministro, que poderia ter-se expressado assim:
  “Quando se desonera uma empresa, criam-se mais empregos”.
  [6] “Você não ganha a Copa do Mundo só com onze jogadores.” (Parreira, 23/6/2006.)
  Senhor Parreira, “não se ganha a Copa do Mundo só com onze jogares”.
  [7] “Gosto do inverno porque no inverno você come bem, você se veste bem...”
  Resposta de um entrevistado pelo Jornal Hoje, na qual se pode entender que ele gosta do inverno porque no inverno o entrevistador come bem e se veste bem.
  Ele poderia, numa linguagem bem simples, ter dito “a gente come bem, a gente se veste bem...”
  A mania contagiou até mesmo publicações, como é o caso da revista Terra, de fevereiro de 2004. Diz o artigo:
  [8] “Some-se a isso uma mistura de etnias, e você tem aí uma situação explosiva.”
  Eu não tenho nada a ver com a tal situação explosiva. Eis o que o autor deveria ter escrito:
  “Some-se a isso uma mistura de etnias, e tem-se aí uma situação explosiva”.
  A mania de você engloba, também, o pronome tu e, obviamente, o pronome oblíquo correspondente (te), como na aberração seguinte, transmitida num noticiário de televisão:
  [9] “Imagine só a situação. Quando abro a porta, vejo minha casa toda cercada pela polícia. Que vergonha! O que os vizinhos iam pensar? Só podiam pensar que eles estavam lá pra te prender.”
  Os vizinhos iam pensar que a polícia estava lá para prender quem? O entrevistado ou o entrevistador?
  Diferentemente do inglês, que fascina os importadores de palavras e expressões, nossa língua oferece várias formas de indeterminar o sujeito da oração; por que resumi-las todas num pronome que se refere diretamente ao nosso interlocutor?

                                                      loromartins@yahoo.fr
 
        

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