Diferentemente
do que ocorre hoje, no meu tempo de escola primária, que comecei a frequentar
na segunda metade da década de 60, lá no interior do interior de Santa Catarina,
não se chegava ao segundo ano sem saber ler e escrever. Do segundo ano para o
terceiro, outro requisito nos era exigido para a tão ansiada promoção: a
tabuada.
Ah!
a tabuada...
Inculcada
monotonamente na memória dos alunos, na forma de uma cantilena que ainda hoje
guardo na lembrança, e cobrada oralmente, sob ameaça de reguadas na mão, a
tabuada era o meu terror. Não todas, felizmente — apenas a de multiplicar.
Desde
cedo habituado ao raciocínio e avesso a decorebas, eu simplesmente não conseguia
entender a letra da cantilena. Porque havia, ali, entre dois números
conhecidos, um intruso: o x.
Assim
se “ensinava” a multiplicação nos anos 60:
►Um veis
um: um
►Dois
veis dois: quatro
►Dois
veis três: seis
Etc.
O
xis da questão era a palavra veis, cujo sentido eu não conseguia
atinar. E eu me perguntava, num racionalismo precoce, se não seria uma forma
especial do verbo ver. Mas, nesse caso, o que estaria fazendo aí tal
verbo? Um está vendo um? Dois está vendo dois?
Verdadeira
incógnita para mim durante muitos anos, o operador da multiplicação só fez
sentido quando me dei conta de que a palavrinha que eu não entendia era... vez.
Massacrada
pela pronúncia (veis) e pela concordância (um vez, dois vez),
uma simples palavra bloqueou o meu entendimento de uma operação tão simples,
útil e necessária.
Ora,
vez é substantivo do gênero feminino, como todos sabemos. Ninguém, em sã
consciência, diria “era um vez”, “estive lá dois vez”. Tivéssemos,
naquele tempo, cantado uma vez um é igual a um, duas vezes
um (isto é, um tomado duas vezes) é igual a dois, tudo
teria ficado claro desde o princípio. Mas isso não aconteceu; afinal, era a
década de 60, meio século atrás. E o vício já vinha de longas datas.
E
hoje?
Hoje, no alvorecer do
século XXI, constrange-me constatar que o problema persiste. Muitos
professores, ao ensinar a multiplicação, não conseguem, por preguiça fonética,
fugir do “dois veis um”, induzindo o aluno à decoreba, vício que acaba
desviando-o do que a Matemática tem de mais bonito: o raciocínio.
A
TEMPO: Venho
escutando, ultimamente, um arremedo de correção, que consiste em dizer duas
vezes duas. Não tem sentido.
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