O GERUNDÊS


Denomino gerundês um modo de expressão, surgido recentemente, que se caracteriza por substituir o bom, legítimo e sintético infinitivo por uma lo­cução verbal formada de estar + gerúndio.
Prolixo, estapafúrdio, ridículo, o gerundês constitui um desses mo­dis­mos que vêm de vez em quando conspurcar nos­sa Língua, já tão massacrada pelo descaso e pela importação inútil de palavras estrangeiras.
Quem utiliza o gerundês?
Infeliz­mente, tal aberração encontrou terreno fértil justamente entre pessoas que deveriam pri­mar por uma boa linguagem e, ao menos teo­ricamente, dominar as normas do vernáculo. Contam-se entre seus adeptos apresentadores de programas de te­levisão, funcionários de bancos, operadores de companhia telefônica, professores etc., que, em vez de dizerem, sim­ples­mente, “você pode verificar”, preferem encher a boca e nossos pobres ouvidos com “você pode estar verificando”. Acham bonito.
Os exemplos pululam.
O funcionário da Amazônia Celular que me atendeu, quando lhe levei o apa­relho para habilitação, saiu-me orgulhosamente com esta “linda” frase, após ter feito o serviço:
— Pronto, o senhor já pode estar ligando.
Poderia ter dito, em bom e correto português:
— Pronto, o senhor já pode ligar.
Quando, por mudança de endereço, solicitei a trans­ferência da linha, as operadoras da companhia telefônica submeteram meu ouvido (ainda bem que foi um só, já que a conversa foi por telefone) a uma verdadeira tortura lin­guística, da qual reproduzo abaixo alguns trechos com a respectiva “tradução”.
[1] O senhor deseja estar alterando seu endereço?
Tradução: O senhor deseja alterar seu endereço?
[2] Eu queria estar solucionando seu problema hoje mesmo.
Tradução: Eu queria solucionar seu problema hoje mesmo.
[3] Não pode estar sendo feita a mudança.
Tradução: Não pode ser feita a mudança.
Pior que escutar o gerundês é vê-lo escrito. E, se escrever o erro é passar atestado de burrice, o autor da apostila de Photoshop comercializado pela Digerati Editorial merece um diploma duplo de ignorância.
Contaminado pelo gerundês e encerrado com um desnecessário termo alie­ní­gena, o se­guin­te parágrafo me fez desistir de ler o restante do texto: “Pela primeira vez eu vou estar dividindo com vocês algumas dicas de como estar pintando um desenho e estar colocando sombra em estilo comics”.
 
Quem aguenta?

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