O PRONOME EXCESSIVO


Renato Russo cantou “tire suas mãos de mim” e ninguém estranhou o uso do possessivo (suas) onde seria perfeitamente dispensável. Poderia ter dito “tire as mãos de mim” e a mensagem nada perderia em termos de compreensão.
A frase da canção poderia ser justificada em razão da métrica. Tudo bem. Mas de onde vem essa mania de utilizar o pronome possessivo onde não se faz necessário? “Estou com dores nos meus pés”, disse-me alguém outro dia. “Ainda bem que não é nos meus”, repliquei.
 Por que não dizer, simplesmente, “estou com dores nos pés”?
Essa mania, cada dia mais generalizada, tem certamente origem nas más traduções dos filmes.  Em inglês, é usual e correto dizer give me your hand [literalmente: dê-me sua mão].  Mas a norma portuguesa (e também espanhola) é não usar o possessivo quando este se refere a parte do corpo ou da indumentária do sujeito da oração. Não faz falta. Portanto, “dê-me a mão” (ou, na sin­ta­xe popular brasileira, “me dê a mão”), pois já se sabe que a mão em questão não poderia ser de outra pessoa.
Veja as frases seguintes (algumas bem conhecidas).
[1] Estou com dor nas minhas pernas.
Por que nas minhas pernas? Serei por acaso capaz de sentir dor nas pernas de outra pessoa? Diga, simplesmente: “estou com dor nas pernas”.
[2] O Pedrinho caiu e quebrou o braço dele. 
Claro que o braço quebrado foi o dele, já que foi ele que caiu. Tirando o excesso, temos, em bom português: O Pedrinho caiu e quebrou o braço.
[3] Sempre tiro o meu chapéu quando entro numa igreja.
Alguém teria o costume de tirar o chapéu de outra pessoa ao entrar na igreja? Diga: “sempre tiro o chapéu quando entro numa igreja”.
[4] Tão pequeninha e já gosta de passar batom na boca dela.
Não seria mais simples dizer apenas que ela gosta de passar batom?
 [5] Preciso lavar meu cabelo e pintar minhas unhas.
A frase ficaria mais leve sem os possessivos: “Preciso lavar o cabelo (ou, mais corretamente, os cabelos) e pintar as unhas”.
[6] Apoie seus cotovelos contra seu corpo e segure a câmera com as duas mãos.
Como é fácil perceber, trata-se de frase retirada de um manual de instruções de uma câmera fotográfica – traduzida do inglês, evidentemente.
Como ficaria melhor?
“Apoie os cotovelos contra o corpo e segure a câmera com as duas mãos.”
A telenovela Salve, Jorge! (TV Globo) apresentou dois exemplos de pronome em excesso:
[7] A senhora está mesmo sentindo essas pontadas no seu braço? ( 7/2/2013)
Em que outro braço alguém poderia sentir pontadas?
[8] Tão cedo ela não bota os pés dela ali. (28/2/ 2013)
Elimine-se o supérfluo e teremos:
“Tão cedo ela não bota os pés ali”.
A telenovela Caras e bocas não poderia ficar para trás:
[9] Eu não vejo com os meus olhos, mas vejo com os meus dedos. (30/1/2014)
A personagem, deficiente visual, poderia ter-se expressado de forma mais simples:
“Eu não vejo com os olhos, mas vejo com os dedos”.
OUTROS EXEMPLOS:
[10] Se eu abrir a minha boca, eles me matam. (Filme O rei da rua, TV Globo, 09/02/2014)
[11] Preciso de uma massagem nos meus ombros. (Filme Barriga de aluguel, TV Globo, 23/02/14).
Supérfluo, prolixo, desnecessário, esse emprego do pronome possessivo constitui mais um dos tantos vícios de linguagem que empobrecem o idioma.

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