Os modismos vêm e vão.
Há alguns, porém, que se estabelecem e, ao
mesmo tempo que ganham espaço, empobrecem as formas de expressão. Um deles
(nada a ver com a música de Rita Lee) é o que eu denomino mania de você.
O que é a mania de você?
Fenômeno que se vem verificando nos
últimos tempos, no Brasil, possivelmente por influência das más traduções da
língua inglesa a que somos cotidianamente submetidos pelos programas de televisão,
mania de você é o emprego indiscriminado de você como sujeito de
orações que, em princípio, não possuem sujeito. É o caso, para abrir os
exemplos, de uma frase veiculada pela rede Globo, às 7 h do dia 30 de julho de
2005, em programa dedicado à imigração japonesa no Brasil.
Disse a apresentadora:
“Naquela época, no Japão, você
tinha uma grande crise”.
Muitos não se dão conta da pobreza
linguística que aí se encerra. Mas é de lamentar, principalmente em se tratando
de um programa educativo.
Por quê?
Porque, quando escuto a palavra você,
entendo, obviamente, que estão falando comigo; e eu nunca tive uma
grande crise, nem morava no Japão nessa época.
Depurando a frase, já que a intenção era
explicar que o Japão (e não eu) passava por uma grande crise, poderíamos
dizer, de maneira clara e sem muito esforço mental:
“Naquela época, no Japão, havia uma
grande crise”.
O emprego de você como pronome
indefinido é (admito) muito expressivo em determinados casos. O
que não se pode admitir é o seu emprego indiscriminado, como nos exemplos
abaixo.
[1] “Quando você está grávida, você deve
pensar, antes de tudo, no bem-estar do bebê.”
Quando a mulher me disse essa “beleza” de
frase, tive de responder que eu nunca cogitei de ficar grávido.
[2] “Você queria estar na praia, mas não
dá; é preciso estudar.”
Frase ridícula, proferida por uma
estudante que se preparava para as provas de vestibular, pois quem queria estar
na praia era ela e não eu.
[3] “Some-se a isso uma mistura de etnias,
e você tem aí uma situação explosiva.”
Frase publicada na revista Terra de
fevereiro de 2004, que deveria assim ter sido redigida:
“Some-se a isso uma mistura de etnias, e
tem-se aí uma situação explosiva”.
[4] “Gosto do inverno, porque no inverno
você come bem, você se veste bem.”
Resposta de um entrevistado pelo Jornal
Hoje de 20/07/2005, na qual se pode entender que ele (entrevistado)
gosta do inverno porque no inverno o entrevistador come bem e se veste
bem.
Ele poderia, numa linguagem bem simples,
ter dito “a gente come bem, a gente se veste bem”.
Outros exemplos:
[5] Frase de um paulista residente em Nova
Iorque a respeito da grande quantidade de neve que caíra na cidade (Jornal da
Record, 14/2/2006):
“Você está acostumado a ver neve na
montanha”.
[6]
Médico falando a uma repórter:
“Quando você tem a fimose, você não consegue
fazer a higiene adequada”.
[7] Frase da propaganda oficial do
programa MAIS MÉDICOS:
“A pior coisa para uma mãe é quando você precisa de um médico e você não encontra nenhum”.
Por que não dizer:
“A pior coisa para uma mãe é quando
precisa de um médico e não encontra nenhum”?
A mania de você engloba, também, o pronome
tu e, obviamente, o pronome oblíquo
correspondente (te), como na aberração seguinte, transmitida num noticiário de
televisão:
[8] “Imagine só a situação. Quando abro a
porta, vejo minha casa toda cercada pela polícia. Que vergonha! O que os
vizinhos iam pensar? Só podiam pensar que eles estavam lá pra te prender”.
Os vizinhos iam pensar que a polícia
estava lá para prender quem? O entrevistado ou o entrevistador?
E que tal esta pérola, que escutei de uma
amiga:
[9]
“Ouvi dizer que existe um aplicativo para celular que avisa quando você está pra ficar menstruada”.
Eu?
Diferentemente do inglês, que fascina os
importadores de palavras e expressões, nossa língua oferece várias formas de indeterminar
o sujeito da oração; por que resumi-las todas num pronome que se refere
diretamente ao nosso interlocutor?