O emprego de você em
substituição às diversas formas de indeterminação do sujeito da oração de que
dispõe o português foi tema nosso em artigo anterior (LER). No presente texto,
abordamos outra faceta desse fenômeno, que tivemos a liberdade de denominar mania
de você (repito: nada a ver com a música de Rita Lee). Trata-se do emprego
desse pronome de tratamento como marcador do infinitivo.
O inglês, que não possui desinência
especial para indicar o infinitivo, serve-se, para esse fim, da preposição to (I need to eat). Em menor grau, utiliza o alemão a
preposição zu (Ich brauche zu essen).
No português (bem
como em todas as línguas românicas) o infinitivo possui forma própria, clara e
inconfundível. Gostar, querer, partir, repor são
palavras que têm em comum a terminação R, marcadora dessa forma verbal. No
entanto, de algum tempo para cá, algumas (muitas, na verdade) pessoas passaram
a entender como insuficiente a desinência verbal, talvez devido ao hábito de
não pronunciá-la.
Assim surgiu a locução você
+ infinitivo.
Desnecessária e ridícula, a inserção de você nas
frases abaixo demonstra não apenas falta de domínio do vernáculo; demonstra,
também, a incapacidade de elaborar orações claras e objetivas. Em suma, falta
de raciocínio.
[1] Foi encontrada quantidade de
explosivos suficiente pra você explodir um prédio.
O que faz o você neste exemplo?
A impressão que se tem, ao ouvi-la, é que a frase se destina a certa pessoa
interessada em explodir algum prédio. Tire-se a excrescência: “Foi encontrada
quantidade de explosivos suficiente para explodir um prédio”. Pronto! Não está
claro?
[2] Latrocínio é você matar para
roubar.
A “belíssima” explicação, dada por
pessoa da área jurídica num programa de televisão, dá a entender que, se eu
matar para roubar, estarei praticando latrocínio; outras pessoas, não.
Outro crime que só se configura se for eu
a praticá-lo, veio da boca de um delegado, que assim o definiu:
[3] Você partilhar coisas
roubadas é crime.
Ou seja, os outros podem partilhar
coisas roubadas; eu, não.
[4] Você ser convidada a ser
patronesse da turma é uma honra.
Esta frase, pronunciada por uma
deputada estadual lisonjeada com o convite de uma turma de formandos, ficaria
muito melhor assim: “Ser convidada a (ser) patronesse da turma é uma honra”.
Outros exemplos:
[5] Descobri que você dançar é
uma coisa muito bonita.
Por que não dizer, simplesmente,
“descobri que dançar é uma coisa bonita”?
[6] Você ser homenageado assim é
uma grande honra para mim. (Marcos Valle)
Como faz muito tempo que ouvi e anotei
esta frase, fica-me agora a dúvida. Será que Marcos Valle se sentia honrado
pela homenagem que faziam a outra pessoa, ou seria ele o homenageado? Fico com
a segunda opção. Neste caso, deveria o grande compositor, merecedor de minha
admiração, ter expressado seu sentimento de outra forma: “Ser homenageado assim
é uma grande honra para mim”.
Encerro o presente artigo com a frase
que recolhi em 16 de janeiro de 2011, de autoria de um geólogo entrevistado pela
TV Record:
[7] Os terremotos são importantes para você
reciclar a Terra.
Nesta, eu me senti o próprio Deus.
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