MANIA DE VOCÊ (2)


 


        O emprego de você em substituição às diversas formas de indeterminação do su­jeito da oração de que dispõe o português foi tema nosso em artigo anterior (LER). No presente texto, abordamos outra faceta desse fenômeno, que tivemos a liberdade de de­nominar mania de você (repito: nada a ver com a música de Rita Lee). Trata-se do emprego desse pronome de tratamento como marcador do infinitivo.
        O inglês, que não possui desinência especial para indicar o infinitivo, serve-se, para esse fim, da preposição to (I need to eat). Em menor grau, utiliza o alemão a preposição zu (Ich brauche zu essen).
        No português (bem como em todas as línguas românicas) o infinitivo possui forma própria, clara e inconfundível. Gostar, querer, partir, repor são palavras que têm em comum a terminação R, marcadora dessa forma verbal. No entanto, de algum tempo para cá, algumas (muitas, na verdade) pessoas passaram a entender como insuficiente a desinência verbal, talvez devido ao hábito de não pronunciá-la.
        Assim surgiu a locução você + infinitivo.
        Desnecessária e ridícula, a inserção de você nas frases abaixo demonstra não apenas falta de domínio do vernáculo; demonstra, também, a incapacidade de elaborar orações claras e objetivas. Em suma, falta de raciocínio.
         [1] Foi encontrada quantidade de explosivos suficiente pra você explodir um prédio.
        O que faz o você neste exemplo? A impressão que se tem, ao ouvi-la, é que a frase se destina a certa pessoa interessada em explodir algum prédio. Tire-se a excrescência: “Foi encontrada quantidade de explosivos suficiente para explodir um prédio”. Pronto! Não está claro?
        [2] Latrocínio é você matar para roubar.
        A “belíssima” explicação, dada por pessoa da área jurídica num programa de televisão, dá a entender que, se eu matar para roubar, estarei praticando latrocínio; outras pessoas, não.
        Outro crime que só se configura se for eu a praticá-lo, veio da boca de um delegado, que assim o definiu:
        [3] Você partilhar coisas roubadas é crime.
        Ou seja, os outros podem partilhar coisas roubadas; eu, não.
        [4] Você ser convidada a ser patronesse da turma é uma honra.
        Esta frase, pronunciada por uma deputada estadual lisonjeada com o convite de uma turma de formandos, ficaria muito melhor assim: “Ser convidada a (ser) patronesse da turma é uma honra”.
        Outros exemplos:
        [5] Descobri que você dançar é uma coisa muito bonita.
        Por que não dizer, simplesmente, “descobri que dançar é uma coisa bonita”?
        [6] Você ser homenageado assim é uma grande honra para mim. (Marcos Valle)
        Como faz muito tempo que ouvi e anotei esta frase, fica-me agora a dúvida. Será que Marcos Valle se sentia honrado pela homenagem que faziam a outra pessoa, ou seria ele o homenageado? Fico com a segunda opção. Neste caso, deveria o grande compositor, merecedor de minha admiração, ter expressado seu sentimento de outra forma: “Ser homenageado assim é uma grande honra para mim”.
        Encerro o presente artigo com a frase que recolhi em 16 de janeiro de 2011, de autoria de um geólogo entrevistado pela TV Record:
        [7] Os terremotos são importantes para você reciclar a Terra.
        Nesta, eu me senti o próprio Deus.

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